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29/07/2020
António Nina, é um cigano da velha guarda, que ainda se dedica ao negócio das bestas.
No distrito de Castelo Branco, ainda são os ciganos quem mais negoceiam com bestas. A nova geração prefere já tratar com cavalos, dada a sua maior procura em relação às mulas ou burros, por estes serem animais de trabalho e os cavalos serem animais de desporto. Mas os da velha guarda ainda fazem perdurar os tratos ancestrais, sobretudo junto da população envelhecida, que ainda teima em cultivar a sua courela com recurso ao velho arado e à charrua.
António Nina é, segundo creio, o último cigano errante do distrito de Castelo Branco. Na verdade, tal como a maioria dos ciganos, tem já uma casa como morada, em Alcafozes, mas passa a maior parte do tempo em viagem entre as freguesias à procura de negócio. Numas terras, e se os animais forem velhos, tenta sempre comprar ao preço mais baixo que conseguir regatear. Já noutra terra, procura animais com todas as qualidades: novo, manso, se for burro é como um macho e se é macho tem mais força que um cavalo.
Depois todo este negócio tem associado expressões engraçadas: “tem umas mãozinhas de seda”, “é um cestinho de mão”, “nem pintado num pano”, “é um luxo”, “é uma “catigoria””. É este valor acrescentado que António Nina empresta ao animal e não é de estranhar que um burro comprado por 50 euros numa aldeia, venha a render 150 ou 200 euros na aldeia vizinha. É assim que ele ganha a vida.
De uma aldeia para a outra, o cigano António Nina desloca-se na sua carroça, para a qual reserva sempre uma besta capaz: uma égua ou um macho valente.
Atrás, arreata os restantes animais e segue viagem. Fareja os negócios e onde lhe parece que pode ganhar uns cobres, estaciona. Arma a barraca, põe as bestas a pastar e calcorreia o povo. Vai aos montes, às quintas, não sem antes se informar de como está o mercado junto da comunidade cigana da localidade, para perceber se entre ambos não há rivalidade. Os ciganos são muito ciosos e ficam maldispostos se um cigano de outra terra vende uma besta na sua.
Mas as coisas nem sempre foram assim.
Antes do 25 de Abril, os ciganos foram muito discriminados, não podiam estabelecer-se em lugar algum, eram maltratados, injuriados, perseguidos e corridos dos lugares onde se estabelecessem. Desta forma o nomadismo tornava-se terrorífico para estas vidas errantes, sem terem onde reclinar a cabeça, sendo corridos de um lado para outro.
Mas a tão esperada liberdade chega com o 25 de Abril. As coisas mudam radicalmente para os errantes nómadas. Agora podem deslocar-se com total liberdade e acampar sem que ninguém lhes faça mal, o nomadismo começa a fazer parte da alegria de ser livre como o vento. O poderem viajar de um sítio para o outro, sem ter nada que os prenda a sítios ou lugares. Ou até mesmo arrendar uma casa ou comprar, tendo nesta forma um teto para morar.
O nomadismo começa por tornar-se a alegria dos errantes. No mês de maio, a caravana começa por juntar-se para seguir viagem, numa rota no distrito de Castelo Branco. A viagem começa em direção ao rio Ponsul. Ali cada família escolhe o sítio para armar a barraca, onde vai habitar durante todo o mês de maio. Este é o mês que os salgueiros dão os rebentos novos, que nós chamamos de verga, para fazer os cestos. Sendo esse o motivo da deslocação ao rio. Ali cortam a verga e fazem os cestos, para depois irem pelas freguesias à procura de quem os compre ou troque por alimentos.
Durante o dia os homens cortam a verga e as mulheres tiram-lhe a casca. À noite todo o grupo se junta ao redor de uma grande fogueira, as mulheres preparam a cafeteira, para a chegarem ao lume, fazendo o famoso café cigano. O jantar é quase sempre o mesmo: café com torradas, variando algumas vezes com sopa de legumes. Depois do jantar, faz-se profundo silêncio, para ouvirem as mais belas histórias, que por vezes eram contadas por capítulos, por serem muito longas.
Eu ainda assisti a algumas das histórias, que na época eram melhores que qualquer das melhores estreias de cinema de hoje. Fazia-se total silêncio, só se ouvia o vento a ser cortado pelos ramos das árvores e a voz do contador de histórias que ecoava nos vales das montanhas. Depois adormecíamos na cama feita ao redor do rio, meditando na bela e bonita história, ouvindo o som das águas correntes e o cantar do rouxinol da ribeira.
“Joaquim Rosendo, Mediador Municipal e Intercultural”
Crónica do projeto InterCOOLturas - Mediadores Municipais e Interculturais (POISE-03-4233-FSE-000036) promovido pela Câmara Municipal de Castelo Branco em parceria com a Amato Lusitano – Associação de Desenvolvimento com o objetivo de apresentar de uma forma simplista as diferentes áreas que compõem o quotidiano do povo cigano e também algumas curiosidades.